A dor (Marcelino Lira)

28 11 2017

Tenro

 

Quando o coração percebe

Que uma parte de si não está mais lá,

A mente tenta criar o alívio

Em sua profunda complexidade.

Um caleidoscópio de mecanismos de defesa.

No entanto, por mais que seja versátil,

Complexa e quase infinita a sua habilidade –

Muito além da nossa compreensão –

Não é capaz de apagar a dor.

A verdade pungente, que pulsa com cada batimento,

A cada momento traz o dado de realidade:

Não está mais lá… Não está mais lá…

A cada pulsação um “não está mais lá”.

 

Um quarto vazio é a imagem visual.

O silêncio na tarde de folga,

Quando tudo era barulho,

Por assim dizer,

Docemente perturbador.

 

Como pode não estar mais,

Se ainda está aqui no coração?

Como é possível que a mente,

Em seu complexo funcionamento,

Criar, ao mesmo tempo,

Ausência e presença?

 

Nessa dança estranha

Que a existência nos faz experienciar,

Nenhuma palavra é capaz de expressar

Aquela dualidade de

Presença e ausência.

Nenhuma lágrima apaga

Aquele “não estar” fático

Ali presente… E ausente.

 

O coração queima, treme,

Se agita e convulsiona.

Empalado, transfixado e sangrante.

Teima em continuar batendo, buscando força

Sabe-se lá de onde.

Um coração ardente na busca de paz.





O que existe? (Marcelino Lira)

13 07 2017

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O que existe realmente no mundo?

É o que nos mostram os olhos?

O que nos testemunham os ouvidos?

A pressão que sentimos na pele?

Os gostos e os cheiros são evidência da existência de algo?

Onde se encontra então o amor diante da sensibilidade crua da matéria?

Diante do amor a matéria se curva inerte,

Pois diante de um só pensamento trazemos à presença quem está longe,

Ainda que do outro lado Universo ele esteja, e

Mais rápido que o raio, a alma se enternece.

O Sol não é tão luminoso quanto o amor,

E o calor do fogo não se compara ao acalento que traz ao coração.

A vastidão dos mares não pode abarcar o seu tamanho,

Nem mesmo a extensão das montanhas ou o número das estrelas.

O céu é pequeno para as asas do amor,

Viajando em seus alegres rodopios livres.

O perfume das flores se acanha diante da fragrância querida,

As pétalas das rosas parecem ásperas…

O mais lírico canto dos pássaros se cala diante da doce voz,

A cascata grandiosa não se compara a ondulação dos cabelos…

Onde, então, se encontra o amor?

Qual a sua natureza?

O que é real?

O que realmente existe diante do amor?





Os pensamentos negativos e o Imperativo categórico (Marcelino Lira)

25 03 2017

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Não foi a primeira, e nem será a última vez, que recebi uma mensagem que continha um conselho para as pessoas: “Se afaste de pessoas com pensamentos negativos”. O texto, que, por sinal, dessa vez, estava bem escrito, descrevia que os pensamentos negativos possuíam energia própria. Não só isso. Ele dizia que essa energia contaminava todo o ambiente. Então, um processo de propagação do pensamento negativo não só afetava àquele que pensa, mas também a todo o seu entorno, incluídas as pessoas.

Por isso, ainda o mesmo texto aconselhava a todos que saíssem da presença de pessoas que estão com pensamentos negativos, para que não se contaminassem com eles. Abrangia, também, o raio de ação do conselho, que fossem evitados os ambientes em que os pensamentos negativos ocorrem, algumas músicas, alguns filmes, alguns noticiários e por aí vai.

Imediatamente fiquei pensando no imperativo categórico de Immanuel Kant (1724-1804). Por ele, a eticidade de uma ação deveria ser analisada não por parâmetros heterônomos, mas pela racionalidade de uma reflexão autônoma. “Age como se a máxima de tua ação devesse tornar-se, através da tua vontade, uma lei universal”. Vamos, então, pensar, usando o esteio do imperativo categórico, como se todos pensassem da mesma forma. O que ocorreria com a máxima “se afaste de pessoas com pensamentos negativos”, se fosse universal?

Primeiramente não existiriam policiais. Quem se aproximaria de pessoas que estão em conflito tão arraigado? Com uma energia tão negativa quanto os criminosos e/ou suas vítimas? Não existiriam pessoas para se candidatar a essa função. Da mesma forma, não existiriam promotores, advogados, juízes, serventuários do Judiciário, agentes penitenciários… E médicos? Não existiriam médicos, claro! Afinal de contas, a maioria das pessoas que procuram os médicos está com uma energia negativa. Medo da doença, incômodo com a doença, perspectiva do incômodo dos exames… Quem em sã consciência se aproximaria dos doentes físicos? Nem os médicos, nem os enfermeiros, nem os fisioterapeutas, nem os fonoaudiólogos, ou qualquer profissional de saúde. É muita energia negativa! E os psicólogos? Esse devem ser os piores!!! A maioria das pessoas procuram os psicólogos justamente porque estão com “pensamentos negativos”! Não existiriam os psicólogos.

Creio que já é possível, apenas com esse punhado de exemplos, perceber que a máxima “se afaste de pessoas com pensamentos negativos” não é das mais éticas, levando o imperativo categórico como parâmetro…

Com isso, não quero dizer que a pessoa deva “mergulhar profundamente em um mar de desespero”. Digo apenas que a vida contém coisas por demais desagradáveis, mas não é negando ou fugindo dos sentimentos negativos que se consegue viver – e principalmente viver com o outro. A vida possui mazelas, e possui bônus fantásticos. Cabe ao sujeito organizar-se psiquicamente para lidar com as variações tão comuns dessa vida…





Vide cor meum – Dante Aliguieri

22 12 2016

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E pensando di lei
Mi sopragiunse uno soave sonno
Ego dominus tuus
Vide cor tuum
E d’esto core ardendo
Cor tuum
Lei paventosa
Umilmente pascea.
Appreso gir lo ne vedea piangendo.
La letizia si convertia
In amarissimo pianto
Io sono in pace
Cor meum
Io sono in pace
Vide cor meum




Por que as nuvens choram? (Marcelino Lira).

11 09 2016

chuva

Minha querida,

Você sabe o motivo de chover?

As nuvens nos viram,

E ficaram comovidas.

O todo construído,

Os momentos juntos,

Tanto compartilhado!

 

Olhando de cima

Começaram a chorar.

Suas lágrimas banharam

Aqueles que passavam,

Inclusive a nós.

Pobres nuvens!

Não pobre de nós…

 

Elas não viveram

O que vivemos.

Não compartilharam

Aquilo que compartilhamos.

Não gravaram no tempo,

Para sempre,

A nossa história.





Hamlet – Shakespeare

12 05 2016

H.
“Ser ou não ser – eis a questão.

Será mais nobre sofrer na alma

Pedradas e flechadas do destino feroz

Ou pegar em armas contra o mar de angústias –

E, combatendo-o, dar-lhe fim? Morrer; dormir;

Só isso. E com o sono – dizem – extinguir

Dores do coração e as mil mazelas naturais

A que a carne é sujeita; eis a consumação

Ardente desejável. Morrer – dormir –

Dormir! Talvez sonhar. Aí está o obstáculo!

Quando tivermos escapado ao tumulto vital

Nos obrigam a hesitar – e é essa reflexão

Que dá a desventura uma vida tão longa.

Pois quem suportaria o açoite e os insultos do mundo,

A afronta do opressor, o desdém do orgulhoso,

As pontadas do amor humilhado, as delongas da lei,

A prepotências do mando, e o achincalhe

Que mérito paciente recebe dos inúteis,

Podendo, ele próprio, encontrar repouso

Com um simples punhal? Quem agüentaria os fardos,

Gemendo e suando numa vida servil,

Senão porque o terror de alguma coisa após a morte –

O país não descoberto, de cujos confins

Jamais voltou nenhum viajante – nos confunde a vontade,

Nos faz preferir e suportar os males que já temos,

A fugirmos pra outros que desconhecemos?”

SHAKESPEARE, William. Hamlet. In. Shakespeare: Obras escolhidas. Tradução de Millôr Fernandes. 560-561.





“Cada um no seu quadrado”… (Marcelino Lira)

20 07 2012

 

 

 

Existem alguns males que não podem ser manejados, a não ser psiquicamente.
De forma diferente, trataremos, no máximo, os sintomas e não sua origem.

 

Imagem





Samba, frevo e maracatu (Marcelino Lira)

20 02 2012

Maracatu

Neste carnaval fomos submetidos a uma série de reportagens sobre a origem do samba, razões de sua disseminação, políticas e elementos sociais favoráveis, entre outros. O que elas tinham em comum?

“O samba é o ritmo nacional”!

Em alguns, poucos, sentidos semânticos a frase não está errada. O que leva necessariamente ao pensamento que não está correta. Vejamos o que se pretende explicitar.

Uma das primeiras frases ditas pelos documentários é: “o samba é um ritmo que nasceu nos morros do Rio de Janeiro”. O que causa assento é o poder de generalização, pois o que é do Rio de Janeiro faz parte do Brasil, embora o inverso não seja necessariamente verdade.

Quando o samba foi criado, alguns fatores contribuíram para sua disseminação pelo Brasil, como a questão do início dos fonogramas, as rádios, que espalharam a música que, de certa forma, dava uma sensação de integração e, principalmente, de identidade nacional. O início do processo foi justamente no Rio de Janeiro, onde havia a música popular em formação, e aproveitada, certamente, pelos populistas (no sentido político) que já ganhavam força significativa. Sendo assim o símbolo musical do Brasil é incidental. Caso todo o processo fosse realizado em Recife, a música símbolo do Brasil poderia ser o maracatu, ou o frevo, banda de pífano, xote ou qualquer outra.

Vamos colocar a questão de outra forma, certamente mais correta. O samba é um dos ritmos nacionais. Uma das expressões mais difusas no Brasil e fora dele. Não a expressão que nos identifica. A riqueza musical brasileira é bem maior que apenas um estilo. O bumba-meu-boi, toré, coco, samba, frevo, caboclinhos, maculelê, vaneirão, xaxado… Nada parece demonstras a ascendência de um sobre os outros.

São todas expressões plenas da sua região e compõe o multifacetado caleidoscópio do que conhecemos como Brasil.   





“Television”: Lacan on the unconscious.

18 12 2011





Antagonismo e antinomia… Autores… (Marcelino Lira).

17 10 2011

Existem alguns autores que, para conhecer sua obra realmente, precisa-se de uma vida inteira, e, por conta disso, não dá tempo de fazer críticas reais…

Os que criticam não conhecem, e os que conhecem não criticam…